quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Estrada de Ferro Madeira-Mamoré para Patrimônio da Humanidade


Neste ano de 2012 a primeira megaobra da Amazônia, a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (EFMM), completará o seu primeiro centenário em meio às lembranças de sua rica história e homenagem pela sua expressiva relevância histórica para o Brasil e o mundo.

Esta ferrovia teve suas primeiras tentativas de construção no final do século XIX, comandadas pelo seu principal idealizador, o Coronel e engenheiro estadunidense Georg Earl Chuch. Durante esses primeiros trabalhos o projeto contabilizou inúmeras desilusões e fracassos, como os das empreiteiras que se aventuraram nesse audacioso empreendimento. Somente numa segunda tentativa acordada pelo Tratado de Petrópolis, já no início do século XX, a "bendita" ferrovia teve êxito em sua construção, sendo finalmente inaugurada em 1912.

Hoje o que restou da EFMM, num trecho de 8 km que vai da Estação de Porto Velho até o povoado de Santo Antônio, foi tombado como Patrimônio Cultural Brasileiro pelo Governo Federal através do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e homologado pelo Ministério da Cultura, através da Portaria nº 108 de 28 de dezembro de 2006, assinada pelo então Ministro Gilberto Gil.

A ferrovia Madeira-Mamoré que se torna grandiosa em virtude da audácia de nossos antepassados por terem se aventurado numa intocada Floresta Amazônica com a gana de construir uma obra monumental, mesmo diante das muitas adversidades que uma região tão isolada e desconhecida podia oferecer. E neste ano em que a ferrovia comemora o seu primeiro centenário (1912-2012) o povo de Rondônia e os amantes da rica e fascinante história que gira em torno dessa construção (entre eles brasileiros e estrangeiros) reavivam o desejo de que todo o acervo material (equipamentos ferroviários, edificações...) e imaterial (história) dessa ferrovia seja finalmente reconhecido como Patrimônio da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).

Tornar a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré um Patrimônio da Humanidade seria uma maneira de fazer justiça às pessoas das mais diversas localidades do mundo que estiveram aqui e contribuíram arduamente para a construção desta ferrovia. Foram pessoas das diversas nacionalidades - espanhóis, antilhanos, portugueses, gregos, bolivianos, italianos, indianos, venezuelanos, colombianos, chineses, turcos, peruanos, barbadianos, alemães, franceses, ingleses, austríacos, árabes, russos, porto-riquenhos, japoneses e dinamarqueses - que deixaram suas famílias em busca de trabalho numa região em que até chegarem ao local jamais imaginavam ser tão precária.

Como estiveram envolvidos na construção dessa obra pessoas de tantas nações, e levando em consideração que desde as primeiras tentativas de construção o comando era encabeçado por um estrangeiro – Coronel Earl Church na primeira fase e Percival Farquhar na segunda - a Ferrovia Madeira-Mamoré na atualidade tem parte de seus registros históricos (documentos, fotografias...) espalhados por alguns países, como Estados Unidos e Reino Unido, inclusive existem sociedades e associações de ferroviários no estrangeiro que estão empenhadas na conservação da história da Madeira-Mamoré, como EFMM.net.

Neste ano de 2012 inúmeras organizações, com apoio de pessoas comuns, estão empenhadas para a candidatura da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré a Patrimônio da Humanidade pela UNESCO, e a cada dia a causa ganha força com mais organizações estão declarando apoio ao movimento, e outras que vem sendo convidadas a levantar esta bandeira.

A prova da internacionalidade da construção da EFMM, além da participação de técnicos e operários de outros países, foi a presença de características estrangeiras (equipamentos, máquinas, costumes...) durante a construção da ferrovia, das quais até hoje encontramos resquícios pela cidade de Porto Velho. A constituição de uma empresa com o nome em inglês "The Madeira-Mamoré Railway Company", as ações na Bolsa de Valores em Londres, os empréstimos de bancos londrinos, a tecnologia ferroviária inglesa da época nas primeiras tentativas, posteriormente a adoção da tecnologia estadunidense, os jornais editados em inglês (The Porto Velho Times, The Porto Velho Courrier e The Porto Velho Marconigran), as caixas d’água em estilo estadunidense... Tudo isso são apenas algumas peculiaridades que demonstra o quanto a construção da EFMM, que ainda hoje é desconhecida por muitos brasileiros, envolveu o mundo em sua história.

Título da Madeira-Mamoré Railway Company

Página do antigo The Porto Velho Times

Página do antigo The Porto Velho Marconigram

Estadunidenses comemorando o Dia da Independência dos EUA em Porto Velho

Três Caixas d'Água

O começo de tudo para a construção de uma estrada de ferro na região da Amazônica aconteceu em 1868 quando a Bolívia concedeu autorização para o Cel. Church superar os trechos encachoeirados do rio Madeira, finalmente formalizada com a concessão do Governo Imperial Brasileiro em 1867, e colocada em prática em 06 de julho de 1872 com a instalação da empreiteira inglesa Public Works, cuja qual teve o primeiro contato com a região inóspita e foi a primeira a assumir a árdua missão começar os trabalhos.

Desde então a construção de uma ferrovia em meio à floresta Amazônica passou a ser notícia nos principais países do mundo na época (Inglaterra e Estados Unidos). Algumas das primeiras notícias veiculadas na Europa versavam sobre os processos que as empreiteiras moveram contra a empresa de Cel Church, o que também movimentavam a Bolsa Valores de Londres em torno das ações da The Madeira-Mamoré and Mamoré Railway Company Ltda que caiam expressivamente. Só a empreiteira Public Works iniciou vários processos, nos quais alegava ter sido enganada quanto ao local das obras e onde também pleiteava reparação de danos. Mais tarde com o apoio de D. Pedro II foi contratada a empreiteira estadunidense P&T Collins, da Filadélfia, em 25 de outubro de 1877. A partir daí a Madeira-Mamoré passava a ser notícia em jornais dos Estados Unidos, como na edição de 03 de janeiro de 1878 do jornal New York Herald, no qual era noticiada a vinda do vapor Mercedita equipado com equipamentos e engenheiros estadunidenses para a execução de obras no Brasil e Bolívia, entre elas a Madeira-Mamoré.



Mais tarde a edição de 25 de fevereiro de 1879 do jornal estadunidense The Daily Graphic divulga em uma página imagens da construção da ferrovia Madeira-Mamoré no final do século XIX.

Página do The Daily Graphic mostrando imagens de Santo Antônio do Madeira no final do século XIX

Além dos muitos problemas naturais que outras empreiteiras anteriores enfrentaram no local a P&T Collins também teve dificuldades financeiras, uma vez que o Cel. Church não conseguia fundos para investir na obra e pagar a empreiteira, entretanto, apesar dos pesares foi a P&T Collins que teve maior êxito, contratando pessoal, assentando os primeiros quilômetros da ferrovia e trazendo a primeira locomotiva (a pequena Cel. Church).

Diante das grandes dificuldades que ficavam piores a cada dia, a P&T Collins saiu de cena falida em 19 de agosto de 1879 quando a situação se tornou insustentável, e o Cel. Church derrotado diante dos inúmeros processos em Londres, ensejando o cancelamento da concessão dada pelo Governo Imperial Brasileiro.

Phillip Collins

Thomas Collins

Depois das comissões expedicionárias enviadas à região para estudos sobre o prosseguimento da construção da ferrovia Madeira-Mamoré, sendo a primeira comandada pelo engenheiro sueco naturalizado brasileiro Carlos Alberto Morsing, e a segunda pelo engenheiro austríaco Júlio Pinkas, somado ao acordado no Tratado de Petrópolis, o Governo Brasileiro retomou o projeto abrindo licitação para a construção da ferrovia Madeira-Mamoré.

“Os Estados Unidos do Brasil obrigam-se a construir em território brasileiro, por si ou por empresa particular, uma ferrovia desde o porto de Santo Antônio, no rio Madeira, até Guajará-Mirim, no Mamoré, com um ramal que, passando por Vila Murtinho ou outro ponto próximo (estado do Mato Grosso), chegue a Vila Bela (na Bolívia), na confluência do (rio) Beni e do Mamoré. Dessa ferrovia, que o Brasil se esforçará por concluir no prazo de 4 anos, usarão ambos os países, com direito às mesmas franquias e tarifas".

O vencedor da licitação foi o engenheiro brasileiro Joaquim Catrambi, que tão logo recebeu a homologação repassou o contrato para estadunidense Percival Farqhuar, que constitui uma nova empresa com o mesmo nome daquela criada por Church, "The Madeira-Mamoré Railway Company Ltda.", onde investiu inicialmente 11 milhões de dólares financiados pelo Bank of Scotland, e contratou a empreiteira May, Jeckyll & Randolph que se instalou em Santo Antônio em 1906 (mais tarde o ponto inicial da construção da ferrovia foi alterado para rio Madeira abaixo, numa região onde viria a surgir a cidade de Porto Velho).

Mais uma vez a construção da ferrovia ressurge novamente com participação estrangeira em seu comando, possibilitando as mais curiosas situações nessa região do país encravada no meio da maior floresta tropical do planeta, como as seguintes:

- A empresa The Madeira-Mamoré Railway Company recrutou pessoal especializado nos Estados Unidos e trabalhadores braçais no mundo inteiro;

- Três jornais editados em inglês circularam onde hoje e a capital do estado de Rondônia, o The Porto Velho Times, o The Porto Velho Courrier e o The Porto Velho Marconigran;

- Diante das muitas e graves enfermidades que ceifavam a vida de grande parte dos operários – malária, febre amarela, beribéri, febre hemorrágica, entre outras doenças – foi construído o Complexo Hospitalar da Candelária, composto por 17 edificações de madeira, e sendo administrado por médicos e enfermeiros estadunidenses;

Um dos prédios do Complexo Hospitalar da Candelária em Porto Velho

Interior de uma das enfermarias do Complexo Hospitalar da Candelária

- Os equipamentos ferroviários (locomotivas e materiais de oficina) da Madeira-Mamoré vinham dos Estados Unidos, pela hidrovia dos rios Amazonas e Madeira;

- Em 1910 foi instalada a primeira das três caixas d’água que hoje são símbolos do município de Porto Velho, vindas dos Estados Unidas e tendo os traços típicos das caixas d’água daquele país;
Uma das Três Caixas d'Água de Porto Velho comparada com a da Warner Bros dos EUA

- A atual Avenida Presidente Dutra era conhecida como "Av. Divisória”, pois do lado oeste (à margem do rio Madeira) ficava o complexo da ferrovia, a administração e também as residências dos empreiteiros, engenheiros e técnicos estadunidenses, sendo o idioma inglês e os costumes estadunidenses comuns naquela região. Enquanto isso na outro lado não havia muitas restrições, onde os operários podiam levar a vida com maiores liberdades;

Av. Presidente Dutra - Centro de Porto Velho

- O documentaria oficial da construção da Madeira-Mamoré era o estadunidense Dana Merril;

Dana Merril al lado de indígenas Caripunas. Um dos índios usa um pijama que foi trocado por adereços indígenas.

- Trabalhavam na lavanderia da cidade várias mulheres barbadianas. Em uma das fotos mais célebres dessa época aparecem posando em torno de um homem estadunidense;


- Em 30 de abril de 1912 a May & Jeckyll Randolph entregou a estação terminal da ferrovia Madeira-Mamoré, localizado no porto mato-grossense de Espiridião Marques, atual cidade de Guajará-Mirim. No local onde houve uma grande festa que contou com a presença de autoridades brasileiras e bolivianas, ocasião em que um prego de ouro foi simbolicamente batido no último dormente. Em 1º de agosto de 1912 a ferrovia foi concluída com os exatos 364 quilômetros da ferrovia Madeira-Mamoré;

- Com o término da construção da ferrovia Madeira-Mamoré o povoado de Porto Velho era uma das poucas localidades da América Latina com água encanada, energia elétrica, fábrica de gelo e telégrafo sem fio;


- Uma das circunstâncias que ensejou o declínio da Ferrovia Madeira-Mamoré, cuja finalidade precípua era o transporte de borracha do Brasil e da Bolívia foi o coleta clandestina de mudas de seringueiras por ingleses para suas colônias na Ásia, onde os mesmos construíram grandes e organizadas plantações, ocasionando mais tarde o fim do chamado Primeiro Ciclo da Borracha. Mais tarde o Japão destruiu as plantações na Malásia fazendo as atenções se voltarem para a Amazônia, porém, com o final da II Guerra Mundial a Madeira-Mamoré foi aos poucos perdendo sua importância econômica, sendo desativada em 25 de maio de 1966, depois de 54 anos de funcionamento, por determinação do Presidente da República Humberto de Alencar Castelo Branco.

- No Cemitério da Candelária, que está localizado a pouco mais de dois quilômetros do Centro de Porto Velho, foi construído como anexo do Complexo Hospitalar da Candelária, e lá estão sepultados os corpos de boa parte dos operários que trabalharam na construção da ferrovia, sendo parte deles estrangeiros. Hoje o cemitério que possivelmente é único no mundo (onde foram enterrados os corpos de estrangeiros de cerca de 20 países) está passando por um processo de revitalização depois anos de abandono. Com o tempo túmulos foram violados, outros destruídos pela ação do tempo e evolução da floresta, o que faz do local um bosque que de longe lembra um cemitério. No dia de Finados é celebrada uma missão em homenagens aqueles heróis que perderam as suas vidas num projeto audacioso e perigoso considerando a época e o local.

Cemitério da Candelário no início do século XX

Cemitério da Candelária no início do século XXI

Tudo o que foi aqui exposto mostra um pouco do quanto a Ferrovia Madeira-Mamoré é internacional, e deve pertencer ao mundo e ter os seus bem e sua história reconhecida por todos pela sua importância histórico-cultural que envolveu o Brasil e muitos países num acontecimento inédito que mais se confunde com uma epopéia. Parabéns Estrada de Ferro Madeira-Mamoré pelos seus 100 anos, e nossas homenagens às almas que aqui em vida contribuíram para o seu feito.

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Para mais informações e acompanhamento das últimas notícias sobre a candidatura da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré a Patrimônio da Humanidade acesse o blog oficial do movimento:
http://efmm100anos.wordpress.com/

Se preferir assista o vídeos a seguir:
- http://www.youtube.com/watch?v=vFT-7M_It6c
- http://www.youtube.com/watch?v=5qY7J87r9fM
- http://www.youtube.com/watch?v=pNjpubIjPXI&feature=relmfu
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2 comentários:

Take Five disse...

Gostei muito do seu blog,peguei a foto do Jornal Porto Velho Times pra colocar num álbum de fotos eu que fiz no museu da EFMM espero que não tenha problemas(colocarei os créditos ao seu blog). Abração!

Sáimon Rio disse...

Obrigado pelo seu amistoso comentário!

Fico demasiado feliz que tenha gostado do blog, e espero vê-lo por aqui mais vezes ;)

Quando à foto do Jornal, bom ela não também não é minha... Aliás, o autor é desconhecido, e eu devo tê-la encontrado em uma das minhas pesquisas pela Internet.

Um abraço!